Não dá para ficar apenas falando das alegrias e desafios da vida de pai quando o país está virando de cabeça para baixo.
Enquanto escrevo, as cidades de maior importância na minha vida sofrem atentados nunca antes vistos.
Começou na Grande São Paulo, com a onda de queima de ônibus e assassinatos de policiais. Há pouco tempo o mesmo chegou a Grande Florianópolis, atingindo na verdade diversas cidades de todo o estado de Santa Catarina, como Itapema, Blumenau e Criciúma.
Os bandidos encontraram uma forma fácil e covarde de chamar atenção do público, atacar o governo e lutar por um segundo poder.
O New York Times já questionou a capacidade do país de sediar a Copa, com muita razão. Como se não bastassem os problemas estruturais, como inadequação dos aeroportos, transporte urbano e hospedagem, há na visão da mídia internacional um cenário de guerra ocorrendo no Brasil. Vamos ver se a Brahma vai fazer piada disso também.
Policiais são mortos de forma brutal. Assassinatos menos brutais já renderam notícia que duraram anos no Brasil. Com os policiais, a brutalidade acontece às dezenas a cada semana. E enquanto isso, para não ser criticado, o Comandante da PM tem que dar discurso dizendo que durante a noite infelizmente houve morte de indivíduos que enfrentaram a polícia. A preocupação com o bem estar dos policiais e suas famílias é ínfima. Um país que não valoriza seus policiais está muito comprometido.
Em termos de violência os atentados em destaque estão no topo da pirâmide do absurdo. Ou seja, são coisas gravíssimas, mas com número de ocorrência pequeno perto de tudo de errado que acontece nesse país. Então, já que o topo da pirâmide está sendo atacado (e está sendo difícil), que tal arrumar também a base (bem mais fácil), cujo volume causa muito mais prejuízo e mortes por ano?
A que estou me referindo?
À corrupção que está dentro de uma minoria muito volumosa neste nosso país, que faz essa nação disfarçada de economia pujante ser na verdade um caos aos olhos de quem vive em um lugar mais civilizado.
Refiro-me a:
- Fraude em seguro
- Estacionamento em lugar proibido
- Excesso de velocidade
- Pedestre atravessando fora da faixa e andando fora da calçada
- Lixo jogado no chão
- Fraude no seguro desemprego e INSS
- Trafegar pelo acostamento
- Estacionar irregularmente em vaga para idoso
- Sonegação de imposto de renda ou por venda
- Consumo de drogas
Um estudo feito nos EUA correlacionou conhecidos índices de corrupção dos países com uma métrica curiosa: a quantidade de multas não pagas em veículos diplomáticos em Nova Iorque.
O estudo foi feito por Raymond Fisman e Edward Miguel com o título Cultures of Corruption: Evidence From Diplomatic Parking Tickets (Cultura da Corrupção: Evidências através de multas de estacionamento de veículos diplomáticos) e foi publicado nos EUA em 2006 pelo NBER (National Bureau of Economic Research).
Resumidamente, o trabalho consistiu em analisar violações de estacionamento de veículos diplomáticos em missão na ONU. Até 2002 estes veículos eram sujeitos à multa, porém o pagamento não era obrigatório e não havia algo como pontuação na carteira como temos no Brasil. Ou seja, passe livre para estacionar inadequadamente. Os veículos também não identificam o país, o que permitia mais liberdade para a infração. Contrariando a ideia de que apenas a punição resolve e que o mal vive dentro de cada um, missões de 22 países somaram 318 diplomatas em média por ano, que entre 1997 e 2002 não cometeram uma infração sequer, ou que pagaram as suas multas (o ranking não considera multa paga como violação). Entre estes países estão Reino Unido, Canadá, Japão, Dinamarca, Noruega, Suécia e inclusive países conhecidos por transito caótico como a Turquia. A América Latina foi bem representada por Colômbia, Equador e Panamá. O Brasil teve uma média anual de 29,9 infrações por diplomata por ano, ficando em 29º no ranking, atrás de uma lista liderada praticamente por países da África e Oriente Médio.
Em outras palavras, em 1998 47 membros da missão diplomática japonesa e 31 da britânica, mesmo com passe livre, não se consideraram VIP o suficiente para atrapalhar uma parcela da comunidade com seu carro para ir a uma importante reunião, fórum, etc. Porque o brasileiro se acha no direito de estacionar de qualquer jeito simplesmente por que está com pressa para ir ao banco?
Muita gente só reclama e nada faz. Às vezes a gente pode pensar: mas fazer o que? Não gosto de política, não quero e não tenho como mudar o país. Pode começar cada um garantindo que sua parte seja feita corretamente.
Alguns exemplos de lugares onde diariamente vemos problemas causados pelo cidadão comum:
- Porta de banco: nos bancos o problema já começa fora. As pessoas com pressa inventam lugares para estacionar, seja para ganhar tempo, seja para economizar
- Dentro dos ônibus e trens as pessoas não respeitam prioridades; fora dele não respeitam as filas
- Aeroporto, ambiente antes tranquilo, hoje também é mais um cenário de muito egoísmo: na hora do embarque quando o povo se acumula sem respeitar prioridades. No desembarque, onde antes mesmo da aeronave parar já tem gente pegando seus pertences para ser o primeiro a sair. Uma minoria volumosa quer sempre estar à frente
- No transito urbano, nem se fala. Não existe regra, não existe seta. Faixa exclusivas para conversões não são respeitadas. Filas menos ainda.
A polícia não impõe respeito. Se ele multa ou reprime, é criticada, pois deveria estar prendendo bandido. E repeti várias vezes a palavra minoria: apesar de desordenar a sociedade, estes chamam muita atenção e fazem muito barulho mesmo sendo poucos. Pode olhar quem trafega no acostamento com o transito parado. São muitas pessoas passando em alta velocidade no acostamento, graças na verdade a multidão parada nas outras três ou quatro filas à esquerda.
Em uma palestra que fui do Rudolph Giuliani, ex-prefeito de Nova Iorque, ele apontou que para diminuir a violência na cidade ele começou melhorando a sensação que o povo tinha de justiça, e para começar, nada melhor do que os casos mais fáceis, implantando uma política de tolerância zero. Reduziu a impunidade justamente em pequenos casos, como flanelinhas, grafiteiros, vândalos, etc. Isso reduziu a sensação de impunidade e trouxe mais esperança ao povo. Esse método usado em Nova Iorque chama-se Teoria das Janelas Quebradas.
A Teoria das Janelas Quebradas foi introduzida em 1982 por James Q. Wilson e George L. Kelling. O artigo foi apresentado com o seguinte exemplo (tradução do Wikipedia):
“Considere-se um edifício com algumas janelas quebradas. Se as janelas não são reparadas, a tendência é para que vândalos partam mais janelas. Eventualmente, poderão entrar no edifício, e se este estiver desocupado, tornam-se “ocupas” ou incendeiam o edifício.
Ou considere-se um passeio. Algum lixo acumula-se. Depois, mais lixo acumula. Eventualmente, as pessoas começam a deixar sacos de lixo.”
Em 1996 George L. Kelling escreveu um livro chamado Fixing Broken Windows: Restoring Order and Reducing Crime in Our Communitie (Consertando as janelas quebradas: restaurando a ordem e reduzindo o crime em nossa comunidade), com coautoria de Catharine Coles.
A teoria recebeu muita crítica por não ser totalmente comprovada.
Confira como foi em Nova Iorque:
- 1985 – George L. Kelling é contratado como consultor do Departamento de Transito da Cidade de Nova York, para medir e testar a teoria das janelas quebradas. O foco foi intenso na pichação, e o metrô foi se tornando limpo entre 1984 e 1990
- 1990 – Willian J. Bratton torna-se chefe da Polícia de Transito da Cidade de Nova Iorque. Tendo George L. Kelling como seu mentor, implanta tolerância zero para quem utilizava do transporte público sem pagar a passagem, facilitando a prisão e fazendo uma checagem do passado de todos os infratores
- 1993 – Rudolph Giuliani torna-se prefeito de Nova Iorque e coloca Willian J. Bratton como seu Comissário de Polícia, para implantar a tolerância zero em um âmbito maior em toda a cidade, sobre o pretexto de melhorar a qualidade de vida. Ele queria desfazer a imagem de que Nova Iorque era muito grande, muito desorganizada e muito diversa para ser gerenciável. O monitoramento foi pesado em cima de atos como urinar em público, pichação e sobre os limpadores de para-brisa em semáforo. A recepção inicial foi ruim, com o povo criticando por que não estavam focando em coisas mais importantes, porém observou-se de imediato uma queda significativa no crime leve e grave, e uma queda contínua dos mesmos índices por dez anos seguidos. Nova Iorque que via a violência apenas crescer desde os anos 80 passou a ser em 2005 a grande cidade mais segura dos EUA.
Na escola do meu filho, por exemplo, muitos pais usam a contramão da via para evitar fazer uma volta no quarteirão. Que exemplo querem dar assim? Esse é o tipo de atitude que as pessoas justificam dizendo coisas do tipo:
- estou com filho pequeno no carro
- se não for assim, a gente não trabalha, o dia não rende
- que mal tem, passa dois carros tranquilamente aqui
Nossa cultura permite que cada indivíduo resolva o mal que um problema da sociedade causa diretamente a ele, gerando mais um problema para toda a comunidade, e isso historicamente sempre é tolerado. Estamos meramente criando mais uma geração para propagar essa cultura vista como atrasada por muitos países. É assim que você quer seu filho? Lembre-se que o mercado de trabalho dele será global mesmo dentro do Brasil, que já está facilitando a entrada de estrangeiros qualificados.
Estamos acostumados a achar que é assim que funciona no Brasil. Aqui se reclama, mas dá-se um jeito. Veja outro caso, o do evento da FIFA para o sorteio das chaves para a Copa das Confederações.
E olhe que não estamos falando da Copa das Confederações em si, nem muito menos da Copa do Mundo, mas sim apenas do sorteio das chaves, que será no dia 1º de Dezembro de 2012.
Um documento enorme para o planejamento do evento em São Paulo foi feito, com várias considerações, devido à falta de estrutura da cidade. As maiores preocupações são com transito. Imaginem que todos os paulistanos sofrem o inferno em suas vidas todos os dias, na visão da FIFA, pois para esta é inconcebível que alguém do comitê possa ter um mal estar no hotel e morra a caminho do hospital por causa do transito. Para isso, a FIFA vai disponibilizar uma UTI móvel no hotel Renaissance (que será usado como base da FIFA), exclusivo para os participantes do evento e convidados da FIFA hospedados neste hotel e no Tivoli. Os 26 integrantes do Comitê Executivo da FIFA terão carro exclusivo, conduzidos por policiais militares.
Existe o certo, e existe o errado. Entre o mais ou menos certo e o errado, a diferença é tênue e os limites se perdem. Uma pessoa que começa fraudando o INSS e reclama dos políticos, amanhã pode estar aceitando um cargo público de confiança em troca de outros favores, e por aí vai. Aonde para? A partir do pouco errado, qualquer coisa está errada e a piora é cada vez mais aceitável. No fim, isso é o que diz a teoria das janelas quebradas.
Encerro com este vídeo, que mostra um momento que deveria ser uma inocente distribuição de doces no dia de Cosme e Damião tornando-se um verdadeiro abuso de mais velhos contra crianças. Ao mesmo tempo, preocupadas em conseguir seus doces, as crianças aprendem a aceitar algo tão selvagem. Triste. Hoje são crianças que querem doces. Amanhã serão o que?
Referências
- O Estado de São Paulo. Jornais estrangeiros destacam violência em SP e questionam segurança na Copa
- Folha de São Paulo. Corrupção e estacionamento proibido http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi1806200604.htm
- NATIONAL BUREAU OF ECONOMIC RESEARCH. CULTURES OF CORRUPTION: EVIDENCE FROM DIPLOMATIC PARKING TICKETS
- Wikipedia. Broken Windows Theory
- Bloomberg. New York Remains Safest Big U.S. City as Crime Declines 5%, Mayor Says
- Folha de São Paulo. Trânsito paulistano vira pesadelo da FIFA
Link Bônus com uma notícia do dia: BRASILEIRO PODE PEGAR 20 ANOS DE PRISÃO POR TENTAR VIAJAR NA PRIMEIRA CLASSE